Feliz Natal
No
primeiro momento, pensei que o ar pesado fosse rancor. Nada mais justificável.
Afinal, depois de tudo, eu voltei. Meu sorriso zombeteiro enfrentando o grupo
de novos homens. Eles me amaldiçoaram na escola, eu serei agora a maldição de
natal deles. Me aproximei confiante, apesar de ainda crer na possibilidade de
eles se juntarem para me dar uma surra. Não, a culpa não os deixaria fazer
isso, não importa qual seja a vantagem numérica.
– Veio aqui pra rir da nossa cara? –
Foi
ele. Justo ele, de quem eu esperava resistência máxima. Parecia simplesmente
conformado com a minha vitória. Foi só então que eu percebi que não era de
rancor que se alimentava aquele ar pesado, coisa abstrata pesando sobre todos
quase como se tivesse uma cor. Aquilo era tristeza. Pasmo, deixei meu sorriso
vacilar e dar lugar ao espanto.
– O que aconteceu? –
Franco
baixou a cabeça. Olhou para trás e viu que todos assim tinham feito também, até
que Tiago, quem mais sofreu a minha vingança de formando, acenou um sim solene.
Eu já imaginava o que estava por vir, mas o que Franco me sussurrou, como que
para poupar os ouvidos já machucados dos outros, ah, aquilo eu me recusaria a
aceitar por longos vinte anos. Nunca pensei em enfrentar desta forma as
consequências do meu crime. Segui-os até uma casa de madeira, para ver com meus
próprios olhos.
Quando
entrei na casa velha e vi o resto da antiga turma, tive esperanças de que tudo
aquilo não passasse de uma brincadeira. A vingança deles contra a minha
vingança. Era pesado demais para ser real, mas não havia outra hipótese. Todos
estavam tristes, muitos choravam. Quem me via não me dirigia olhares raivosos e
nem tentava me administrar culpa. Eram olhares de pena. Desesperadamente, eu a
procurei entre eles, como se fosse novamente a minha única amiga que eu perdi
de vista em uma festa. Mas não era festa, eu não tinha mais nenhuma amiga e ela
não estava ali para ser encontrada. Cambaleei pelo soalho de madeira,
sentindo-me bêbado. Mãos que um dia já desejaram apertar o meu pescoço agora me
apoiavam com delicadeza. Sem conseguir distinguir quem me segurava, eu me
dirigi para o teto. Alto, dramático como nunca fui.
– Cadê ela? Onde é que ela tá? –
Foram
Franco e Tiago que apoiaram meus braços por cima de seus ombros, me conduzindo
pela casa até uma sala dos fundos, fechada com cortinas pretas. Eles então me
soltaram, e fizeram sinal para que eu entrasse. Abri a cortina esperando ver
Renata encerrada em um enorme caixão no centro de uma sala escura. O que vi foi
muito pior. Era uma sala completamente iluminada pelas luzes de natal. Tudo
fora enfeitado com maestria digna de minha mãe. Era tudo igual há oito anos,
quando a garota entrou timidamente em minha casa, indiretamente convidada para um
natal que não era o de sua família. Foi como nos conhecemos, em uma sala
idêntica. Virei-me para a dupla que esperava pacientemente do lado de fora da
cortina.
– Cadê ela? –
Tiago
apontou o dedo para o pinheirinho de natal, onde jazia um único presente. Me
aproximei com medo, mas fascinado com a beleza daquele embrulho, que parecia
ter forma de um pequeno vaso. Peguei-o em minhas mãos, só então percebendo que
pequeno vaso significa urna. Notei nele um adesivo discreto, rabiscado com a
letra dela.
De: Renata
Para: Cláudio
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