Apenas o Ordinário


            Eram três. Cabeça, Gnomo e Tio Patinhas. A temperatura estava agradável naquela madrugada de 17 de dezembro, e o trio seguia rindo alto, caminhando no meio do asfalto. Vez por outra acertavam uma pedrada em alguma placa de sinalização ou em algum morador de rua desavisado. Pararam para fumar em frente à uma loja de eletrodomésticos. Cabeça trazia o assentado, enquanto Gnomo e Tio Patinhas carregavam cada um uma garrafa de cerveja long neck.
            Cabeça raspara completamente o cabelo, e não deixava a barba crescer. Era alto e magro, mais magro do que realmente deveria. Gnomo, por outro lado, era pequeno e redondo. Não era apenas gordo, seu corpo inteiro tinha a forma arredondada. Seus cabelos eram negros e encaracolados, e ele ria com facilidade. Tio Patinhas sempre fora descrito por outras pessoas como “estranho”. Mesmo perto de seus dois amigos nada convencionais, continuava sendo estranho. Era vesgo, feio e desengonçado. Ainda por cima era albino. Os cabelos lisos lhe caiam até metade das costas.
            Passou-se algum tempo, e Cabeça começava a ficar impaciente. Foram arranjar mais cerveja, mas o único posto por perto era guardado por um velho atento, que lhes apontou uma arma quando tentaram roubar o local. “Vamo em outro”, disse Gnomo. Cabeça andava de um lado para o outro, furioso, falando que eles deveriam voltar lá e dar uma lição no velho. Tio Patinhas observava quieto. O gigante e o pequeno começaram a lutar. Tio Patinhas pegou uma pedra e sentou-se para assistir a luta. Cabeça puxou seu canivete, mas foi atingido por uma pedrada antes que pudesse fazer qualquer coisa. “Sem armas”, disse o espectador calmamente. O albino então levantou-se e começou a se afastar, falando algo sobre ir buscar mais cerveja. Cabeça e Gnomo se separaram, sentando lado a lado na calçada. Dividiram mais um baseado, quando ouviram o barulho vindo do posto. Era o estrondo de um tiro.
            A pequena AM PM estava revirada, com diversos sinais de luta. Um corpo sangrava no chão. Era Tio Patinhas, ainda se contorcendo e cuspindo sangue. O velho olhava amedrontado do assaltante no chão para os recém chegados, ainda segurando a arma. Cabeça desviou os olhos do amigo ferido para o olhar decidido de Gnomo. Eles viviam sempre na margem desse tipo de risco, e nunca se importaram com as consequências. Tanto melhor se o mundo fosse mesmo acabar em breve, eles não estavam perdendo nada. Independentemente do que acontecesse, aquela madrugada seria só mais uma noite qualquer. Pasmo, o velho viu os dois jovens sacarem seus canivetes. Rezando baixinho para que a polícia chegasse logo, ele fechou os olhos e atirou.

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