As Cores do Céu


            Xico chegou meio correndo, meio tropeçando, carregando os pacotes abraçados junto ao peito. Mila já o esperava no ponto combinado – o alto do barranco que dava vista para o mar. Subindo pelo morro de grama alta, Xico podia ver o vulto escuro contrastando com a lua que a englobava, como uma redoma branca que guardasse de prisioneira uma garota feita de trevas.
            Mila virou-se, e seu vulto acenou para ele. Logo estavam sentados lado a lado, vendo o modo como as ondas do mar morriam na praia pouco distante, como já fizeram inúmeras vezes. A diferença é que agora era noite, e havia um certo silêncio secreto pairando sobre a areia.
– Você trouxe? –
            Xico pegou os pacotes. Havia dois ali, um para cada. Na escuridão da noite, era impossível ler o nome dos produtos na caixa, e Mila quis ter certeza.
– Você pegou mesmo fogos de artifício, né? –
– Peguei, e a gente vai acender eles quando der meia noite –
– Tipo ano novo? –
– É, tipo isso. Só que não vai ter mais nenhum ano depois de hoje –
            Ambos silenciaram. Mila brincava com os pés descalços, balançando-os no penhasco, enquanto Xico tentava atirar pedras ao mar, mas nunca alcançava. Havia um certo constrangimento entre eles, algo que impedia o assunto de fluir, e não era o medo do apocalipse. Xico queria falar tantas coisas que estavam grudadas em sua garganta, mas ele não tinha a coragem. Quando abriu a boca para balbuciar em silêncio, Mila exclamou, olhando para o relógio. Eram 23:59. Rápidos, eles tiraram os fogos da caixa e se prepararam para acender. À meia-noite ambos os foguetes foram ao céu, explodindo em cores juntos de mais outra dezena de fogos, acendidos por outras pessoas ao redor da cidade.
            Xico baixou a cabeça para ver o modo como as cores dos fogos de artifício iluminavam o rosto moreno de Mila. Mais uma vez tentou falar, obrigando seu cérebro a entender que o fim do mundo estava próximo e que aquela seria a última oportunidade, mas sua voz perdeu a força. Em vez disso, seus olhos falaram por ele quando Mila se virou para encará-lo. Sem trocar uma única palavra, eles se beijaram pela primeira vez. Abaixo deles o mar cantarolava sua música e a praia concordava em silêncio. Acima deles a lua se sentia homenageada com a dança das cores. Ninguém reparou nos dois vultos sentados no topo daquele barranco que dava de frente para o mar.

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