Como Sobreviver na Selva
Foi apenas uma falha técnica. Ivo
estava convencido disso, pois ele mesmo revisara o avião antes de fazer a
decolagem. Mas se ele revisou, e ele pilotou, e ainda assim o avião caiu, então
de quem poderia ser a culpa? Do céu, é claro! A praga que despencava feroz das
nuvens, molhando tudo e derrubando pássaros metálicos.
Mas isso não importava mais. Ivo
estava a uma altura de 3.000 pés quando o monomotor demonstrou sinais de falha.
E justo enquanto sobrevoava uma cadeia de montanhas na Mata Atlântica. O
paraquedas foi a única opção, já que não havia a menor esperança de forçar um
pouso em meio à floresta. Galhos se partiram, tecido se rasgou. Ivo ficou preso
no alto daquelas árvores, lembrando-se do barulho que o seu querido e único
avião fez ao colidir a alguns quilômetros de onde estava.
Já que o piloto não poderia se
soltar do paraquedas devido à grande altura que o separava do solo, resolveu
fazer a única coisa que estava ao seu alcance naquele exato momento, que era
também a única preocupação em sua mente: com alguma dificuldade, retirou do
bolso esquerdo da calça uma caixa de cigarros Malboro. Demonstrando a paciência
de quem não tem para onde ir, pegou um maço e o colocou na boca, guardando a
caixinha de volta onde estava. Foi tateando o outro bolso que Ivo começou, pela
primeira vez desde que saltara do avião, a ficar desesperado.
O isqueiro não estava lá.
O isqueiro não estava lá.
Mas como isso era possível? Ele
jamais, em hipótese alguma, esqueceria de trazer seu isqueiro. Com 28 anos, o
fumante tragava por completo pelo menos meio maço por dia, em um dia de
trabalho. Se não estava voando, era um maço inteiro. O isqueiro só poderia ter
escorregado do seu bolso em algum momento entre o pulo do avião e a queda nos
galhos das enormes árvores que seguravam com firmeza os restos do seu
paraquedas.
Só que o céu e a selva tiraram o
isqueiro do homem errado. Sem mais temer a enorme altura em que se encontrava
pendurado, Ivo pegou sua faca de pesca que seu pai lhe dera enquanto ainda
adolescente, e cortou os cabos que o prendiam em segurança. O piloto despencou
com um baque. Mesmo caindo sobre um monte de folhas mortas, e tendo deixado o
corpo mole, Ivo sentiu o pé direito torcer até quebrar o osso que o ligava à
perna. Ficou deitado por alguns minutos, sentindo a dor. Seu cigarro continuava
firme entre os dentes, como se nenhuma desventura do mundo pudesse separar
aquele par perfeito.
Aos poucos Ivo começou a se mexer.
Arrastando-se na direção que, ele se lembrava muito bem, tinha que ir. Logo
conseguiu encontrar um galho grosso com o tamanho perfeito. Pegando-o, tinha
uma bengala para substituir o pé machucado. O sobrevivente seguia em linha
reta, ignorando as dificuldades de se caminhar pela mata fechada. Algumas horas
sem descanso e o sol se punha. A noite escurecia o céu e a floresta enquanto
Ivo caminhava sem desacelerar o passo.
Foi já de madrugada que o encontrou:
os restos do que já foi sua casa em pleno ar agora se espalhavam por uma
clareira em chamas. Metal, árvores, o
rádio, mapas, a carga e todos os mantimentos. Nem mesmo a pesada chuva
conseguiu impedir o fogo de consumir tudo aquilo. Ivo não se importou, pois era
exatamente de fogo que precisava. Sem se preocupar com o calor, o fumante inclinou
sua cabeça, aproximando-a das labaredas de uma asa retorcida e deixando que
elas acendessem seu cigarro. Sentando-se sob a proteção de uma Araçá Piranga, o
piloto tragou com a profundidade que lhe permitiam seus pulmões. Prendeu a
fumaça dentro de si por alguns instantes, sentindo atenuar a dor que lhe
afligia o osso quebrado, e então soltou uma baforada vitoriosa de quem batalhou
muito por aquele momento.
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