A Chuva Nos Trouxe


            Ninguém ousaria sair de casa no meio daquela tempestade. Os jornais noticiaram enquanto podiam, até vir o apagão. Em uma estrada alagada, a chuva castigava o asfalto e os dois vultos sentados lado a lado em uma mureta baixa. Eram apenas dois homens, buscando nos pingos d’água recuperar a sua humanidade. Eles não se conheciam, nem se falaram em nenhum momento. Ambos não sabiam sequer como haviam parado lá, sentados lado a lado na mureta branca. Primeiro, esperavam a chuva chegar. Agora, aproveitavam a solidão mútua. Não se importavam em se molhar, nem sequer sentiam o frio. Cada gota que escorria pelos seus cabelos encharcados dava a eles a certeza de que estavam vivos, de que a vida existia e que ela despencava em abundância do céu.
            O que quer que os tivesse feito enfrentar aquela tempestade, estava agora sendo lavado pela chuva. Quando o sol aparecesse, pois ele sempre aparecia, os dois ainda estariam vivos. Talvez mais vivos do que já estiveram em toda a vida, tão longa e tão curta. Quando todos abrissem as portas de casa, e as crianças saíssem para correr e pular nas poças d’água, aqueles homens se levantariam, trocariam olhares de solidariedade, admiração e respeito, e então cada um seguiria seu caminho. Jamais ouviriam a voz um do outro, nem sequer se veriam novamente. Mas por um dia eles viveram a chuva, e sobreviveram as suas próprias tempestades. Sem sequer se conhecer, eles se tornaram melhores amigos, e jamais esqueceriam um do outro.

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