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Mostrando postagens de dezembro, 2012

Feliz Natal

            No primeiro momento, pensei que o ar pesado fosse rancor. Nada mais justificável. Afinal, depois de tudo, eu voltei. Meu sorriso zombeteiro enfrentando o grupo de novos homens. Eles me amaldiçoaram na escola, eu serei agora a maldição de natal deles. Me aproximei confiante, apesar de ainda crer na possibilidade de eles se juntarem para me dar uma surra. Não, a culpa não os deixaria fazer isso, não importa qual seja a vantagem numérica. – Veio aqui pra rir da nossa cara? –             Foi ele. Justo ele, de quem eu esperava resistência máxima. Parecia simplesmente conformado com a minha vitória. Foi só então que eu percebi que não era de rancor que se alimentava aquele ar pesado, coisa abstrata pesando sobre todos quase como se tivesse uma cor. Aquilo era tristeza. Pasmo, deixei meu sorriso vacilar e dar lugar ao espanto. – O que aconteceu? –      ...

As Cores do Céu

            Xico chegou meio correndo, meio tropeçando, carregando os pacotes abraçados junto ao peito. Mila já o esperava no ponto combinado – o alto do barranco que dava vista para o mar. Subindo pelo morro de grama alta, Xico podia ver o vulto escuro contrastando com a lua que a englobava, como uma redoma branca que guardasse de prisioneira uma garota feita de trevas.             Mila virou-se, e seu vulto acenou para ele. Logo estavam sentados lado a lado, vendo o modo como as ondas do mar morriam na praia pouco distante, como já fizeram inúmeras vezes. A diferença é que agora era noite, e havia um certo silêncio secreto pairando sobre a areia. – Você trouxe? –             Xico pegou os pacotes. Havia dois ali, um para cada. Na escuridão da noite, era impossível ler o nome dos produtos na caixa, e Mila quis ter certeza. – Você peg...

Grande Mocinha

            Luciana viu a casa ficar cada vez mais apertada, com pessoas estranhas entrando e andando e conversando. Ela não devia chamar eles de “estranhos”, sabia disso, pois eram da sua família. Mas era uma família tão grande! Grande demais para a pequena casa de praia, onde sempre se juntavam para passar o natal, e Luciana ganhava um monte de presentes. Eles gostavam dela. Diziam que ela era linda, e muito esperta. Mas ficavam incomodando ela após dizer isso, mexendo em seu cabelo, fazendo perguntas. Antes ela chorava, mas agora não. Mamãe disse “você já é uma mocinha agora, e é muito feio uma mocinha chorar”.             E lá estavam os primos. Luciana sempre quis brincar com eles, mas nunca a deixavam. Desta vez, tentou chegar perto sem ser notada, para ouvir que diziam. Teve a impressão de que perceberam que ela estava ali, mas não se importaram. – Então, tu acha que vai acontecer mesm...

Apenas o Ordinário

            Eram três. Cabeça, Gnomo e Tio Patinhas. A temperatura estava agradável naquela madrugada de 17 de dezembro, e o trio seguia rindo alto, caminhando no meio do asfalto. Vez por outra acertavam uma pedrada em alguma placa de sinalização ou em algum morador de rua desavisado. Pararam para fumar em frente à uma loja de eletrodomésticos. Cabeça trazia o assentado, enquanto Gnomo e Tio Patinhas carregavam cada um uma garrafa de cerveja long neck.             Cabeça raspara completamente o cabelo, e não deixava a barba crescer. Era alto e magro, mais magro do que realmente deveria. Gnomo, por outro lado, era pequeno e redondo. Não era apenas gordo, seu corpo inteiro tinha a forma arredondada. Seus cabelos eram negros e encaracolados, e ele ria com facilidade. Tio Patinhas sempre fora descrito por outras pessoas como “estranho”. Mesmo perto de seus dois amigos nada convencionais, continuava...

Entre Pais e Filhos

– Pai? – – Uhum? – – Pai, o que você ta fazendo? – – Compras –             O filho deu uma olhada por cima do ombro do pai, espiando a tela do computador. – O que é isso? – – Estou comprando ações da bolsa. Estão todas em queda – – Se estão todas em queda... Então por que você está comprando? –             O pai suspirou. Puxou uma segunda cadeira e fez um gesto para que o filho se sentasse. – Filho, você acredita nessa história de profecia Maia e o fim do mundo? – – Bem, eu... Eu não sei, me parece bastante improvável – – É porque tudo isso não passa de baboseira, papo furado. O mundo não vai acabar, mas os palermas já estão se desesperando. Ta todo mundo vendendo o que tem e o que não tem pra passar os últimos dias na farra – – E você está comprando tudo pra vender mais caro depois? – – Isso mesmo. No desespero, essas pessoas não pensam direito. F...

A Passagem

            Foi uma espera de quatro dias no terminal lotado. Era 15 de dezembro, e as pessoas já estavam ficando nervosas. Seguranças eram chamados a todo momento para resolver conflitos. A maioria queria, afinal, passar o fim do mundo junto de seus parentes que moravam em outros países. Fábio não era uma dessas pessoas. Não tinha parentes nem amigos espalhados pelo mundo. Mal sabia o que estava fazendo ali. – Pois não? –             Pois não. Pois bem. Foram quatro dias esperando para ser atendido, e agora Fábio percebia que ainda não tinha decidido para onde queria viajar. – Senhor? – – Eu, bem... Eu queria, sabe, uma passagem – – Para onde o senhor gostaria de ir? – – É, eu não sei ainda, na verdade – – Desculpe? – – Qual é o primeiro voo com lugares disponíveis? –             A atendente parecia confusa. Olhava de um ...

A Chuva Nos Trouxe

            Ninguém ousaria sair de casa no meio daquela tempestade. Os jornais noticiaram enquanto podiam, até vir o apagão. Em uma estrada alagada, a chuva castigava o asfalto e os dois vultos sentados lado a lado em uma mureta baixa. Eram apenas dois homens, buscando nos pingos d’água recuperar a sua humanidade. Eles não se conheciam, nem se falaram em nenhum momento. Ambos não sabiam sequer como haviam parado lá, sentados lado a lado na mureta branca. Primeiro, esperavam a chuva chegar. Agora, aproveitavam a solidão mútua. Não se importavam em se molhar, nem sequer sentiam o frio. Cada gota que escorria pelos seus cabelos encharcados dava a eles a certeza de que estavam vivos, de que a vida existia e que ela despencava em abundância do céu.             O que quer que os tivesse feito enfrentar aquela tempestade, estava agora sendo lavado pela chuva. Quando o sol aparecesse, pois ele sempre a...