Pela Metade
O dia claro zombava da situação, do local, e das
pessoas que se punham a chorar próximas a uma grande caixa de madeira lustrada,
cujo conteúdo um dia conheceu todos ali presentes. A grande maioria ensaiara o
choro no dia anterior, e o resto simplesmente abaixava a cabeça e imitava
exagerados soluços. Cinco pessoas não pareciam estar de acordo com a atmosfera:
quatro fortes homens contratados para fazerem o trabalho sujo: carregar e
enterrar o caixão, e o padre. Este, embora tivesse comovente voz, parecia não
se importar com a dor que todos deveriam estar sentindo. Na verdade, ele
parecia estar menos comovido do que aqueles que fingiam o soluço. Seu discurso,
nem precisou ensaiar, pois sempre fizera o mesmo discurso todas as vezes, o que
lhe poupava saber quem era aquele merecedor de suas palavras. Vazias elas ecoavam
até os ouvidos que tentavam prestar atenção no tic-tac do relógio.
Quando o padre terminou de falar, dois homens de
meia-idade saíram em silêncio, tentando não serem notados. Ao mesmo tempo em
que eles saiam, outro homem chegava. Usava roupas comuns do dia-a-dia, e
aparentava ter entre trinta e quarenta anos. Chegou devagar, como se contasse
os passos, e, embora nenhum som anunciasse sua chegada, todos deixaram o caixão
para vê-lo. Em seus olhos não haviam lágrimas, mas demonstravam uma emoção tão
profunda, que quem os viu não conseguiu mais fingir o choro. Parou em frente ao
caixão, e ali ficou, observando atentamente, como se esperasse que este abrisse
repentinamente. O tempo passou devagar, e, embora todos estivessem impacientes,
ninguém conseguia tirar os olhos dele, e nem dizer em voz alta o que todos
estavam pensando, palavras que estavam entaladas na garganta: é tudo culpa sua.
Depois de muito tempo, o homem fechou os olhos, respirou profundamente e soltou
todo ar de uma só vez.
Colocou a mão no bolso da calça, e de lá tirou uma
velha foto em preto e branco de duas crianças, ambas exibindo seus sorrisos
angelicais. Ficou alguns minutos comparando a foto com o caixão e, com uma expressão
que demonstrava todo o esforço do ato, rasgou a foto ao meio, separando as duas
crianças. Todos em volta ficaram chocados, mas não fizeram nada além de permanecer
parados, observando o homem de cabelos escuros olhar para as duas metades. Ele
então disse algo, tão baixo, que obrigou a todos dar um passo a frente. Mas
antes que qualquer um pudesse ouvir, ele silenciou. Não se sabe se por medo de
que alguém ouvisse, ou se porque o que tinha para dizer já tinha sido dito. Ele
simplesmente jogou uma das metades em cima do caixão, onde uma criança ficou
sorrindo para o céu azul, e então foi embora, num passo lento tal qual ele
veio, guardando a outra metade da foto no bolso.
Seus contos estão cada vez melhores! Ta inspirado né! Bjos! Parabéns!
ResponderExcluirEsse ainda foi um dos meus primeiros contos haha
ResponderExcluirestou postando novos e antigos, não em uma ordem exata