Reggae Mendigo


             É estranho saber que algo diferente vai acontecer. Não é todo o dia que se vai a uma festa das grandes aberta ao público. Normalmente estas são todas ruins, as boas são pagas. Mas não esta festa, ela é diferente. Já estou chegando perto, e dá para ouvir o barulho claramente, como se estivesse dentro do meu carro. Estaciono longe. Não que não tenha mais vagas, mas é que é bom caminhar de vez em quando. Ao longo das ruas, observo as barracas miseráveis de produtos piratas que se amontoam o mais perto possível da festa. Se as outras festas eram ruins, a culpa foi de terem deixado esses vagabundos chegarem muito perto.
            Eles gritam, berram seus produtos em nossos ouvidos. Mentem que são de boa qualidade. Logo um deles me chama a atenção. Um negro baixo, cabelo rastafari, gorro com as cores da Jamaica, pés descalços com suas solas tremendamente duras. Em suas mãos carrega um misto de produtos artesanais e instrumentos musicais pequenos. Ele me chama a atenção porque não está gritando seus produtos. Ao contrário, parece estar com medo que alguém venha comprar eles. O Reggae Mendigo olha todos com um olhar assustado, que todos retribuem quando vêem suas feições duras e feias. Prossigo lentamente, observando as reações do indivíduo. Ele percebe que o estou observando, e me observa também. Mas o jeito com que ele me olha é diferente de qualquer olhar que eu já vi. Sinto um arrepio profundo, viro para frente e apresso o passo em direção da festa.
           
            Eu estou lá, bebendo e dançando. Mas em nenhum momento o Reggae Mendigo saiu da minha cabeça. Como uma praga que é invocada, olho pro lado e lá está ele, parado, no meio de um monte de gente que está dançando. Ele continua a me olhar profundamente, só que desta vez, seus olhos estão vermelhos. “Drogas”, eu pensei, mas ao observar melhor, noto que ele estava chorando. Não faço a mínima ideia de como ele entrou na festa ainda carregando seus produtos de má qualidade. Aqui não entram vendedores ambulantes.
            O Reggae Mendigo deixa uma de suas tralhas cair. Uma flauta azul, simples e toda arranhada, mas muito bela. Ainda me observando, ele a junta, me dá mais um daqueles olhares arrepiantes, vira de costas e vai embora.
            Eu nunca mais vi nem ouvi falar do Reggae Mendigo.

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