O Homem Eterno


                          Ele cortava os próprios cabelos como se estivesse tosando mais uma de suas ovelhas. Por séculos pensou ser eterno, mas caía agora branca na pia a prova de que estava errado. Durante todo aquele tempo, seguia a rotina do trabalho perfeito para ele, na vida que ele sempre sonhou. Eternamente desejara que tudo aquilo terminasse um dia, mas que acabasse simplesmente, e não que começasse a desmoronar aos poucos como uma ampulheta de mil anos que há muito fora virada.
            A vida seguiu um ritmo próprio, não respeitou as suas ideias e muito menos as suas expectativas. Agora estava condenado à descoberta de sua própria velhice. Percebia então que a eternidade só havia começado. A verdadeira imensidão do rastejar de sua existência começaria no instante em que o último fio de cabelo fosse cortado.
            Ele sabia que deveria se sentir feliz com a visita do filho. Com mais um de seus eternos aniversários, que o fizeram ver o quão próximo está do fim dessa vida infinita. Mas ele não conseguiria jamais perdoar seu herdeiro por ter trazido aquele presente tão revelador. É quase como se ele soubesse que aquilo arruinaria sua mente. O sorriso sincero que o filho mostrou quando o pai desembrulhou o espelho poderia ter muitos significados. Era vingança, satisfação por ter mostrado a verdade, ou simplesmente era o sorriso simpático de quem diz: “Ei! Seu tempo acabou. É a minha vez agora”.
            O novo velho cortou o último fio de cabelo branco. Jazia agora na pia uma pilha deles. Pôs a tesoura ao lado da torneira e encarou a face cansada que o inspecionava através do seu presente de aniversário. Sua pele não era mais a mesma. Seus cabelos não mais existiam. Até os dentes mostravam a ele que aquela eternidade já tinha acabado e a partir de agora outra começava.
            Mas os olhos continuavam os mesmos. 

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