Enquanto o Tempo Espera
Senti o rosto arder com a força da
areia trazida pelo vento. Protegi minha face com os braços e fechei os olhos,
torcendo para não ser uma tempestade de areia. Por sorte, passou. Observando a
areia que se tinha acumulado em minhas mãos se esvair por entre meus dedos, vi
inevitavelmente a imagem de uma ampulheta. Logo lá estava eu, a divagar sobre
os mistérios do tempo. Depois de ter perdido a conta dos dias que se passaram,
e ainda depois de ter a certeza de que estava perdido no deserto, ainda
arranjava tempo para divagações. Foi a loucura que finalmente me alcançou, só
pode ter sido isso. Naquele instante, sentar no topo de uma duna e me pôr a
pensar parecia a coisa mais sensata do mundo. Afinal, meus pensamentos eram
mais reais do que o deserto em si. Eu os sentia mais palpáveis, e eles só
existiam na minha cabeça, eu sei, mas de qualquer forma o deserto é abstrato.
Entre duas irrealidades, confio mais naquela que vem de dentro de mim. Se sou
real, ela também é, mas ninguém me garante que o deserto existe.
E se eu estivesse apenas preso
dentro de uma enorme ampulheta? A representação absoluta do tempo poderia ter
dimensões gigantescas. Toda a minha vida até então poderia ter sido apenas uma
série de alucinações provocadas pelo deserto, quem sabe? Eu estava preso no
tempo, de forma simbolicamente literal. Se o tempo é relativo, como saber se
ele passa? As dunas se movem, e um minuto basta para mudar tudo, mas de forma
que quanto mais tudo muda, mais há a certeza de que o deserto continua sempre
igual. E se o deserto não se transforma, pode então o tempo estar passando?
Seria o deserto um turbilhão químico ou psicológico gerado no momento em que
prendo a respiração? Talvez meu próprio tempo tenha parado, e o deserto é a
personificação do limbo do tempo. Ou eu me adiantei do tempo do mundo, e o
deserto é meu castigo, uma espécie de purgatório para me esperar para que o
tempo da realidade me alcance. E quanto tempo o tempo espera?
Senti o suor escorrendo incomodar no
meu rosto, pois alguns grãos de areia nele grudavam-se. Isso bastou para me
livrar da minha divagação, e perceber que o vento fizera a areia subir até
acima da minha cintura. Mais um pouco e eu seria soterrado, junto com meus
pensamentos loucos. Se meu irmão estivesse aqui, teria rido de mim e me perguntado
o que diabos eu fumei. Ele teria razão, não posso deixar o deserto me
enlouquecer, preciso segurar a minha sanidade com todas as forças. Sem ela,
serei engolido pela areia.
Levantei e me livrei do pequeno
monte que havia se formado ao meu redor. Olhando por toda a minha volta, só
havia o deserto interminável e indistinguível. Apesar disso, sorri e comecei a
caminhar. Não sabia para onde estava indo, mas tinha o bom pressentimento de
que era essa a direção correta.
Lindo!!!! Não me canso de ler seus contos!!!!
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