Uísque Puro


            O homem velho de apenas quarenta anos serviu-se de mais um copo de uísque. Ao seu lado, o garotinho não sabia o que tinha acontecido, mas sabia o que ia acontecer. Já vira João bebendo daquele jeito antes, e não gostava. Desagradava-lhe principalmente o rosto sofrido, a expressão de culpa e remorso que lhe tomava conta embora, para muitos, ele ainda parecesse um homem durão. Mas a criança sabia, assim como sabia muitas coisas apenas porque é uma criança: quanto mais dura fosse a expressão do homem, mais ele estaria chorando por dentro. Foi assim, com esse pensamento em mente que o menino se aproximou de João, que não deveria ser velho, mas era.
– Por que o senhor não chora? –
            Mais um copo foi virado e novamente servido antes que o gigante se voltasse para o seu Davi. De onde surgira aquela criança? João não sabia dizer se ela era real ou fruto do seu estado já avançado de embriagues. Resolveu considerar, por fim, que não fazia diferença.
– Porque homens de verdade não choram. Isso é coisa de criança, ou de mulherzinha –
            O garoto fez um som com a boca, como se confirmasse que havia entendido a lição. Olhando fixamente para os olhos do deplorável adulto a sua frente, parecia querer entender nas palavras que acabara de ouvir o sentido da vida. João agora esquecera do copo de uísque puro, que permanecia cheio ao lado de uma garrafa quase vazia.
– Todos os homens são assim tão burros? –
            João riu do comentário. Virou-se para o seu copo, que o aguardava.
– Eu vou ser igual a você quando crescer? –
            O homem tomou a bebida toda de uma vez, arranhando sua garganta e dilacerando sua alma. Sua visão balançava de forma enjoativa, ainda que isso o divertisse. Pousou o copo sobre a mesa, talvez com mais força do que pretendia, e virou-se para responder o estranho garotinho, mas ele não estava mais lá. Confuso, João olhou ao seu redor, mas não havia ninguém em lado algum. Ele estava sozinho. O menino se fora, e ele estava sozinho. Sem fazer nenhuma cerimônia, o agora definitivamente velho serviu para si mais um copo de uma generosa dose de uísque.

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