O Velho Tio Noel



O horizonte estava tão vazio quanto seu futuro, e sua sacola, tão pesada quanto sua consciência. Nela guardava tesouros que despertavam a ambição dos homens, mas de nada adianta ter esses tesouros quando se caminha por uma estrada de chão no meio de uma paisagem deserta.
            Lúcio Santos já não sentia dor quando seus joelhos cederam.
Ouvia-se incessantemente um forte barulho, que fez Lúcio acordar. Quando abriu os olhos, a paisagem desolada não era mais a única coisa em sua visão. A estrada de chão passava veloz diante de seus olhos, e à sua esquerda um homem de meia idade sentava-se em um banco de couro e segurava nas mãos um volante. Lúcio procurou com os olhos a sua sacola, e isto fez com que o motorista percebesse que estava acordado.
– Ainda bem que acordou, já tava pensando que cê ia morrer aqui dentro – Disse o caminhoneiro – Esta estrada só é usada duas vezes por mês, por mim, é claro. Cê teve muita sorte de desmaiá justo hoje – continuou falando o motorista, mas como Lúcio continuava procurando a sacola, o motorista teve de mudar de assunto.
– Botei a sua bolsa junto com o resto das tralhas na caçamba do caminhão – Falou o caminhoneiro, respondendo à muda pergunta de Lúcio. Este, tranqüilizado, tomou a liberdade de pegar uma garrafa d’água de cima do painel e tomá-la por completo.
– Bem, hããã... Meu nome é Marcos, Marcos Castiano. Como é o seu?
– Lúcio Santos.
– Então, Lúcio, o que ce tava fazendo desmaiado no meio do nada?
– Procuro um lugar para consertar a minha vida.
– Fugindo da mulher?
– Não tenho esposa.
– Bem, foi uma piada.
– Sim, eu entendi.
Seguiu-se um longo silêncio, do qual o barulho do motor se fazia mais e mais presente a cada segundo. Marcos procurava qualquer coisa que fizesse o estranho se abrir.
– Você disse que queria recomeçar a sua vida, não é?
– Sim, disse.
– Conheço um lugar perfeito pra isso. É onde eu moro, uma vilazinha de quinhentos habitantes. Ela fica bem na beirada do fim do mundo, e isso dificulta um bocado, mas faz o povo ser unido. Vai fazer seus melhores amigos lá!
Lúcio nada disse, apenas olhou esperançoso para a infinita estrada a sua frente.
– Eu tenho o emprego mais importante na vila, sem querer me gabar, é claro. Eu vou para a cidade com este caminhão carregando quinhentas listas de compras, fico lá tempo o bastante pra comprá tudo e volto, cobrando uma pequena taxa que paga a gasolina e meu conforto. Ocê podia ser meu ajudante quando chegarmos lá...
– Sim, poderia. Deixe-me perguntar uma coisa: em que mês estamos?
– Caramba! Ocê deve estar perdido há muito tempo pra não saber nem o mês. Hoje é dia dezesseis de outubro.
A viagem inteira segue com Marcos narrando as histórias divertidas de sua vila, e Lúcio apenas ouvia. Marcos parecia conhecer a maioria dos habitantes, e se relacionar bem com quase todos eles.
Ao chegarem na vila, o caminhoneiro apresentou Lúcio a todos que estavam por perto. A chegada de um estrangeiro foi muito bem aceita, e logo Lúcio estava mais famoso que Marcos. A maioria das pessoas da vila gostava de Lúcio, mesmo tendo dias em que nenhuma palavra saía de sua boca, pois ele não se importava em ajudar quem quer que fosse, qual fosse o problema. Ao contrário, parecia que vivia para ajudar os outros. Seu único tesouro era sua sacola, que se manteve muito bem fechada por todo o período que permaneceu na vila, e ninguém se atrevia a espionar. Um mês após sua chegada, viajou junto com Marcos para ajudar em seu trabalho, e dispensou pagamento. Sobrevivia apenas com o dinheiro que trazia consigo, ninguém sabia ao certo quanto. Dois meses depois, se preparavam para a viagem mais difícil do ano: dezembro, quando centenas de brinquedos são carregados no caminhão, além das coisas de costume. Ao embarcar, Lúcio percebeu que além das listas de compras, inúmeras cartas viajariam com eles.
– O que é isso?
– As cartas para o Papai Noel. Nos livraremos delas assim que for possível.
Lúcio pegou uma carta, abriu e leu o conteúdo infantil que expressava os inocentes desejos das crianças da vila. Fez isso com cada uma das cartas endereçadas ao pólo norte na viagem.
Ao chegarem na cidade, Lúcio fez um pedido.
– Marcos, quero que você compre tudo o que está escrito nestas cartas.
– Ta maluco? Isso vai me custar uma fortuna!
– Pode usar o meu dinheiro. Está tudo na sacola.
E essas foram as últimas palavras que Marcos ouviu Lúcio dizer. Comprou todos os brinquedos pedidos nas cartas usando o magnífico conteúdo da sacola. Comprou também um pequeno urso de pelúcia, para dar para Lúcio, como uma forma de piada. Ao receber o presente, Lúcio chorou. A volta para casa foi melancólica, e Lúcio em momento algum largou o urso. Quando lá chegaram, trataram de logo esconder os brinquedos. A meia-noite do dia vinte e quatro de dezembro, Lúcio saiu pelas ruas, levando os presentes aos endereços em que eles deviam ser entregues. A missão prosseguiu durante toda a madrugada, apenas Lúcio e seu urso. O sol já nascia quando terminou. Cansado, sentou-se à entrada da vila e ficou observando diversas viaturas da polícia se aproximarem, velozes. Continuou sentado, mesmo quando os carros pararam e os policiais apontaram as armas para a sua cabeça. Lúcio olhou para o colo, onde repousava o pequeno urso de pelúcia, e, com um pequeno sorriso, fechou os olhos.

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