Ana em Casa


            Enquanto sentia o calor subir, Ana se lembrava das brincadeiras de infância. Fósforos, papéis do pai, bonecas de plástico, o cachorro do vizinho. Sua pele enrugada agora se contorcia em um riso descontrolado. Gargalhadas de uma mulher quase centenária ecoando pelo prédio em chamas. Era a vingança pessoal de Ana. Contra seus antigos amigos, seus filhos, seus netos. Eles a colocaram ali, para apodrecer no asilo em meio a pessoas que já haviam perdido a capacidade de pensar, graças aos cuidados exagerados dos hipócritas que ali trabalharam. E agora eles iriam pagar pelos pecados de outros. Uma troca justa, Ana não tinha dúvidas. Iriam pagar por Lúcia, sua neta, que convenceu os outros que sua avó precisava ser presa em uma casa para velhos. Ana viveu muitos anos, sim, mas a velhice ainda não a alcançara. Sua mente continuava saudável, completamente lúcida. E Marco? Aquele mentiroso depravado que tantas vezes a traíra. Nunca descobriram a verdadeira causa de sua morte.
            Era a hora de deixar tudo isso para trás. Ana apagaria seus amigos, sua família, Marco, ela mesma. Deixaria o fogo consumir tudo, e nada mais restaria.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Um Pequeno Sacrifício

O Fim do Homem de Terno

Como Sobreviver na Selva