O Incontante

            É mesmo incrível como podem tantos olhos nada ver. Por costume, por vergonha alheia ou por medo de atingir seu próprio ego, todos fingem não perceber o homem barbudo sentado na muretinha da fonte da praça. Alguns fingem tão bem que, mais tarde, quando ele sumir, não sentirão sua falta. Mas em cada lugar que passa alguém a sentirá, pois não são todos tão cegos, tão apressados, tão indiferentes. Não é raro o homem barbudo receber companhia. Pode ter sido notado pelo olhar inocente de uma criança, curioso de um jovem ou paciente de um velho. Para todas essas pessoas, ele se apresenta como o Incontante, e a elas ele proporciona a experiência mais emocionante e inesquecível de suas vidas: a de ouvir uma história.
            Suas palavras causam uma fascinação que está além do entendimento comum, e sua própria existência acaba por se transformar num mito quando desaparece subitamente, e ninguém sabe dizer qual será seu novo lar, sua nova praça, seu novo conto. Pessoas se reúnem para discutir sobre ele, tentar desvendá-lo. Por que Incontante? Crianças afirmam que a palavra as lembra de “inconstante”. Alguns arriscam dizer que “In” vem do inglês, e que o Incontante estaria contando histórias para si mesmo, para “dentro”. Logo rebatem que seria mais lógico se isso significasse que ele distorcia sua própria história de vida para criar contos fantásticos, então o “In” teria sentido de negação – ele não é um contante de verdade. “Mas isso também não valeria para o caso de ele contar apenas aquilo que não é verdade?”, é o que alguns perguntam, e ninguém entende mais nada. Não demora para que as perguntas se voltem para o maior objeto de curiosidade daquela massa de ouvintes. Qual é, afinal, a história de vida do Incontante? Alguns dizem que ele já foi um homem muito rico, que viajou o mundo, mas agora perdeu tudo. Outros têm certeza de que ele é um espírito, por aparecer em lugares sempre tão distantes um do outro. Há quem defenda a ideia de que o Incontante não seja um único homem, mas várias pessoas que, por algum motivo, gostam de contar histórias a estranhos. Seria esse algum motivo amoroso? Olhos brilhantes de romantismo dizem saber que aquele homem barbudo andava de praça em praça à procura da mulher amada. Outros, mais dramáticos, diziam ter ela morrido, e isso enlouqueceu o Incontante. Para os mais pessimistas, ele era apenas um homem solitário.
            Talvez ele fosse um pouco de tudo isso. Talvez sua maior história seja aquela que nunca é contada, que faz com que seus ouvintes libertem sua imaginação em busca de uma resposta. Para esses o mundo passaria a ter mais cores, e tudo teria mais graça, pois eles veriam que em cada praça, janela ou par de olhos, sempre há uma espetacular história incontável.

Comentários

  1. Foto do Cláudio, que vende miniaturas de caveiras na XV, dando de brinde uma pulseira colorida

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